Dermatoses por Imunodeficências

01/12/2011 15:01

Manifestações dermatológicas em portadores do vírus HIV

A Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (SIDA) representa o estágio final da infecção pelo Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV), que leva à deterioração progressiva do sistema imunológico, acarretando o surgimento de doenças infecciosas, inflamatórias e neoplásicas. Um exame dermatológico cuidadoso pode ser útil para o diagnóstico da infecção pelo HIV e para se avaliar o estágio da doença e o grau de imunossupressão. Na SIDA, a compreensão dos estágios da infecção é importante, pois serve como guia para a confecção do raciocínio clínico e  para a elaboração das suspeitas diagnósticas.

O estágio I corresponde a uma síndrome retroviral aguda, com duração de 1 a 2 semanas. Na maioria dos indivíduos, a infecção primária é subclínica e assintomática. Quando ocorrem manifestações clínicas, são geralmente inespecíficas, com quadro gripal e semelhantes à mononucleose. As manifestações cutâneas correspondem a processo exantemático, maculoso ou máculo-papuloso, que pode evoluir com descamação, e localiza-se mais frequentemente na porção superior do tronco e regiões palmo-plantares. Nas mucosas, podem surgir enantema, erosões e ulcerações.

O estágio II possui duração extremamente variável, em torno de 10 anos, e é marcado por ausência de sintomas, com ocorrência de linfadenopatia generalizada persistente.

Durante o estágio III, que pode durar até 5 anos, surge febre, sudorese noturna, diarréia crônica, fadiga, cefaléia, e podem ocorrer manifestações orais como candidíase e leucoplasia pilosa.

No estágio IV, os níveis de CD4 oscilam de 50 a 200 células/mm3 e já ocorrem infecções oportunistas como herpes simplex ulcerado crônico, candidose esofágica e neoplasias como o sarcoma de Kaposi.

No estágio V, a depressão imune é extremamente intensa, menos de  50 células CD4/mm3, e todos os componentes da síndrome podem ocorrer.

A SIDA produz  manifestações mucocutâneas de etiologias diversas, facilitadas pela deficiência imune própria da enfermidade, pelo rompimento das barreiras mecânicas de defesa do tegumento, e pela própria terapêutica, que, por vezes, produz neutropenia. No grupo das infecções virais, incluem-se Herpes Simplex, Varicela Zoster, Molusco Contagioso e HPV.

 Dentre as infecções bacterianas, as mais freqüentes são as Estafilocócicas. Também podem ocorrer infecções graves por Estreptococcus pyogenes, Mycobacterium tuberculosis e Pseudomonas aeruginosa, além de Sífilis e Riquetsioses. No grupo de infecções fúngicas, destacam-se a Candidose, as Micoses Profundas e as Dermatofitoses, que no contexto da SIDA, não ocorrem com maior freqüência, mas geram infecções mais exuberantes e que exigem tratamento sistêmico.

As manifestações cutâneas de Protozooses são raras em pacientes infectados pelo HIV. Já no grupo das parasitoses, a Escabiose e a Dermodecidose são os representantes principais.

A incidência de neoplasias cutâneas tem diminuído com o advento da terapia anti-retroviral combinada. A incidência anual de  Sarcoma de Kaposi, por exemplo, caiu de 4% para 0,7%.  Dentre os linfomas, foram descritos os de células T epidermotrópicos, com manifestações semelhantes à micose fungóide. Os carcinomas baso e espinocelulares possivelmente ocorrem com maior freqüência em indivíduos infectados pelo HIV, mas ainda não existem estudos mostrando diferenças com a população, na qual esses tumores também são muito comuns.

 Frequentemente, a SIDA ocasiona exacerbações de afecções cutâneas como a Dermatite Seborréica e a Psoríase. Dentre as erupções pápulo-pruriginosas, destacam-se a  Foliculite eosinofílica associada à infecção por HIV, a  Erupção papular prurítica do HIV, e a Xerose/Asteatose Cutânea. Na mucosa oral, as lesões predominantes são as ulcerações aftóides e a Leucoplasia Pilosa.

No tocante às alterações em fâneros, a Alopécia Difusa Não-Cicatricial ocorre principalmente em estágios mais avançados da imunodeficiência e é causada por ação direta do HIV, infecções oportunistas, deficiências nutricionais, distúrbios imunológicos e endócrinos e uso de medicamentos.

 

Os pacientes com SIDA também estão propensos a desenvolver farmacodermias, em virtude da grande quantidade de drogas utilizadas no manejo da própria síndrome e das comorbidades associadas. Nesse contexto, as drogas  que mais causam erupções cutâneas são o Sulfametoxazol-Trimetoprim, Pentamidina, Ampicilina e Aciclovir.

Finalmente, a principal alteração dermatológica descrita a partir da instituição da terapia anti-retroviral combinada, é a lipodistrofia, onde há perda periférica do tecido gorduroso da face, glúteos e extremidades, com distribuição anormal de gordura nas regiões abdominal, dorso-cervical e de mamas.

Pelas informações expostas, pode-se concluir que a presença de dermatoses na SIDA é muito comum. Frequentemente, esses pacientes iniciam seus quadros com manifestações dermatológicas, e algumas delas podem ser consideradas como verdadeiros marcadores cutâneos da síndrome, suscitando a investigação de infecção pelo HIV. O aumento da freqüência e da gravidade de afecções dermatológicas em pacientes com SIDA traduz a importância do rápido reconhecimento destas patologias não apenas pelo dermatologista, mas também por clínicos e demais especialistas.

 

Renata Silva Lima

Membro da Liga Acadêmica de Dermatologia da Bahia

 

Referências Bibliográficas

 

  1. HIV – Associated Skin Diseases. World Health Organization. Chapter 10.
  2. International AIDS Society–USA Topics in HIV Medicine. Dermatologic Manifestations of HIV Infection. Volume 13 Issue 5 December 2005/January 2006
  3. Cunha V, Souza Filho J,  Miranda A, Luiz M. Manifestações dermatológicas em pacientes portadores do vírus da imunodeficiência humana. Arquivos Catarinenses de Medicina V. 33. no. 2 de 2004
  4. Marques A, Masur H. Aids – Manifestações clínicas. In: Veronesi R, Focaccia R. Veronesi: Tratado de infectologia. São Paulo: Atheneu; 1996. Vol1.
  5.  Dermatologia SAMPAIO & RIVITTI. 3ª Edição, Editora Artes Médicas, 2007.

Por Renata Lima

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